22 setembro, 2013



O tempo está impreciso nestas terras de Caymmi, mas foi num dia de chuva que chegou às nossas mãos "A chuva de Maria", um mimo, uma gentileza, um regalo que nos foi enviado pela autora, a amiga Martha Galrão, de quem tanto gosto de ver a cara forte em preto e branco no FB e a bela nudez que, volta e meia, nos aparece tão pura e natural, tão impossível de não contemplar. Enquanto chovia, Gilmara Correia, minha mulher, se apressou por folhear o livro, sentindo a textura das metáforas, navegando fundo com elas nesses abismos luzidios nos quais habita o inconsciente nosso de cada dia - ou será que lá ele se esconde? Gilmara é psicóloga e percepciona as coisas numa dimensão muito mais especial do que eu, que sou poeta. O primeiro poema que ela nos lê em alto som com uma voz inocente e aveludada de menina é: "A chuva de Maria" e sua impressão é de que o poema resguarda uma simplicidade arrasadora, é despretensioso, é raro porque se parece conosco, é cotidiano, é fluido. Mas o poema - a exemplo de todos os outros que compõem o livro de título homônimo - é bem mais do que essa previsibilidade aparente de que eu trato aqui como quem deseja cortar na própria carne e não consegue. Os versos avançam muito e, profundamente, no ritmo e na forma, vão criando corpo, vão-se somando orgânicos como um fio lírico a enredar e a tecer sonhos, imagens, invernos. Somente depois dessa primeira leitura em amor e em cumplicidade com minha mulher, é que sentei-me, sozinho, como sempre gostei de ler, e desbravei o livro com fúria, mas com a fúria suave de quem deseja penetrar o mistério e a beleza, que é macia por dentro, que aquece-se em mil calores mortais para, em seguida, renascer em vida plena. Então, eu ouvi a voz do "meu pai" que viajava, que chamava, que reclamava. E eu ousei atribuir-lhe um canto quase que como um aboio. Eu te vi, também, na barriga da tua mãe e lembrei, em comoção singular, do livro que Iray Galrão enviou a minha filha, Sophia, quando do seu nascimento. Embora nossa pequena já conte hoje seis anos, ainda recorda bem do seu anjinho preferido, O Anjinho Jojó, pretinho como ela. Somente, agora, Martha, dada a carga de afezeres e a exaustão que nos tomam nestes tempos modernos, é que tenho podido partilhar um pouco a impressão dessa chuva amarela que cai feito bálsamo sobre nós. Perdoe esse seu amigo, poeta tão relapso, pela delonga do retorno ao seu gesto de carinho. Mas quero te dizer que há em mim, rios, águas, fontes límpidas. Eu me constituo de uma matéria que sob nenhuma hipótese se furta de reagir à beleza e à bondade. Assim, te beijo o coração.

"A chuva de Maria 

Martha Galrão

Tudo por fazer é água
que Maria acolhe
e carrega no cesto.
Chove, Maria 
chora o leite derramado
lambe as letras
sorve o leite
pranteia seus amados,
Maria."

Wesley Correia

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