04 novembro, 2018

mameluco

hoje a cabeça frita desde cedo no 
óleo quente do noticiário. não sou
poeta nem filósofo, sou ingênuo: acabo
de aprender: a culpa é dos outros, 
meus amigos dizem, meus ancestrais
também, eu ouço meus ancestrais
no chiado da frigideira, na gordura
borbulhante, bolha-tamoio,
bolha-banto, bolha-mouro, bolha-
manoel-de-trás-os-montes, algo me 
diz que são os outros que me tomam 
pelas mãos e pelos pés, e num tapete
voador, essa noite, eu fui à cidade
sagrada dos mamelucos, e lá me
pregaram na cruz, e lá me fizeram a
cabeça com o sal do tempo, as 
especiarias das índias, e gordura
fervilhante, a banha que eu trago: 
nos vazios do corpo, esse
corpo de camadas e camadas e
camadas de espíritos que eu fui,
que eu sou, que eu encarno como
ninguém mais: eu frankenstein que
assombro os homens, costurado
até os dentes com os pedaços
disponíveis, walking dead dos
sertões, flecha dos índios guarani-
kaiowá: apontada pro coração-de-
jesus-louro-de-olhos-azuis na
parede da sala

Nílson Galvão

Nenhum comentário:

A Chuva de Maria

A Chuva de Maria

Muadiê Maria

Muadiê Maria