05 abril, 2016

quiabo 1

meu pai me acordava 
às três da madrugada
naquele tempo eu tinha 
nove anos de idade 
para a cata de quiabo
no quiabeiro de um alqueire
tristeza de um alqueire
desgosto de um alqueire
um alqueire de dor

meu pai me acordava 
de segunda a segunda
e fizesse frio, calor ou chuva
fizesse sono brutal e cansaço
se não levantasse 
do colchão de palha 
de espiga de milho
às três da madrugada
a cinta cantava sem dó
o quê? não vai acordar?
no quiabeiro de um alqueire
tirania de um alqueire
um alqueire de furor

meu pai me acordava
com um balaio de taquara
pesando um alqueire
nos meus ombros feridos
nas alças de corda do picuá

meu pai me acordava
com a baba feroz do quiabo
que vazava luvas de amianto
e carcomia minhas mãos
feito cola corrosiva

faquinha de catar quiabo
tão afiada que até faiscava
a face branca quando a lua 
varava as nuvens lá no céu

faquinha amolada 
na pedra silenciosa 
do medo e do rancor

um alqueire de faquinhas
para cortar as mãos odiadas
do meu pai odiado
às três da madrugada
quando eu tinha
nove anos de idade

Akira Yamasaki 

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