05 abril, 2014



Jornal Tribuna Feirense
Feira de Santana, 4/4/2014

‘Um rio entre as ancas’ lançado na Princesa dos Olhos D’Água

ORDACHSON GONÇALVES

‘Água’. Uma metáfora recorrente na poesia de Martha Galrão. E foi na terra também apelidada de Santana dos Olhos D’água que ela lançou seu novo livro, ‘Um rio entre ancas’, no mês passado, em evento no Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA). “O título remete a tudo que cabe, acolhe, e o que não cabe, escorre, nasce, entre as ancas de uma mulher”, define.

Nascida e criada em Salvador, “cuidada por Iemanjá e Oxum”, com ascendência no Vale do Jequiriçá e Valença, Martha se considera uma genuína baiana influenciada pela ‘água’ por todos os lados. “Água é vida, cura e mistério. Confundo a vida com um curso de água”, completa.
É a terceira publicação da escritora e faz parte da Coleção Pedra Palavra, da Fundação Pedro Calmon. O lançamento contou com o apoio da Universidade Estadual de Feira de Santana, através do CUCA. Na oportunidade também foi lançado o livro ‘O trem vermelho que partiu das cinzas’, de Clarissa Macedo (matéria que será publicada na próxima edição). “Reuni poemas que já estavam escritos e dialogam entre si”, revela Martha. Seu primeiro livro foi ‘A Chuva de Maria’ (Editora Kalango, 2011) – um caderno com poemas escritos durantes anos. 
O segundo, lançado em 2013, Muadiê Maria (Coleção Cartas Bahianas, Ed. P55), consiste textos confessionais. “Cada vez que leio, eu gosto mais dele. Um diário, poemas, cartas, fotos, são textos selecionados do meu mariamuadie.blogspot.com ” , explica a autora. Em seu novo livro, Martha diz que também “flerta” com os anos 70. 
“Faz parte de uma coleção organizada por Iolanda Costa. São plaquetes com nove páginas de poemas, impressos em off set. Minha capa ficou linda, desenho de Caius Marcelus, presente que ganhei em meu aniversário. O livro tem me dado alegrias pelo fato de estar cumprindo a sua missão: passear por aí”, salienta.
Quanto ao amadurecimento com a publicação do terceiro livro, Martha ressalta que o aprendizado é contínuo, como o curso do rio. “Espero que eu esteja aprendendo com as leituras que faço. Aprendendo no sentido de conversar, ampliar o olhar, voar. E estar consciente da escrita”, aponta.

Apresentada à poesia por Cecília Meireles

A feminilidade da poesia de Martha Galrão está diretamente ligada à sua principal referência: Cecília Meireles. Ela revela que desde criança sempre teve um olhar poético, atenta aos ritmos, às histórias, as vozes. “O que mais me interessa é gente, então amo histórias e palavras”, ressalta.
“Quando li ‘Ah! Menina tonta,/toda suja de tinta/ mal o sol desponta!’, de Cecilia Meireles, ainda criança, me estimulou bastante. Escrevo desde pequena. Listas para pessoas imaginárias, cartas para amigos, diários, histórias, poemas. Escrever é visceral. Acho que aprendi e não parei mais”, lembra. 
Questionada quanto a característica marcante em sua poesia, Martha prefere que os leitores identifiquem. “Mas sei que ser mulher é um dos meus enigmas, isto se reflete, se entranha em minha escrita, em minha voz poética. E temas comuns aos escritores, memórias, infância, morte, amor”, elenca.
A internet e as redes sociais são ferramentas utilizadas por Martha há alguns anos para disseminar sua poesia. “Cecília de novo: ‘A vida só é possível reinventada’. Os blogs, as redes sociais, permitem a possibilidade de recriar a vida, conversar e ler muita coisa boa, que provoca, instiga. A primeira antologia que participei, ‘poetas@independentes’, em 2007, é fruto de um grupo virtual com pessoas de várias partes do Brasil e de Moçambique”, exemplifica.

Vou ali chorar e volto.

Juntarei minhas mãos em concha
depositarei lágrimas, com cuidado, até as bordas
e entregarei à terra.
Desse encontro vingará
a cabeceira do rio.

Seu leito não aceitará cuidados

pois é mais forte que eu.
Sulcos de lodo e segredos,
matas de alegria, pedras indomáveis,
sedimentos de saudade e amores mal acabados.

Amanhã chorarei de novo

depois de amanhã também
para alimentar seu curso
de água, sal, sofrimento.
Nesse rio caudaloso
banharei o transtorno, a urgência,
a virulência do sentimento.

Em sua foz,

um dia,
me deitarei
e morte.









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