27 outubro, 2013


Vardé tão alegre nos recebendo em casa, cozinhando delícias assadas, torrando farinha de tapioca com coco e açúcar, fazendo litros de cajuadas e armazenando  em garrafas de água mineral, tirando o leite de coco no pano de prato, torcendo o pano e o sumo branco pingando,  Vardé  sorrindo, Vardé de braços cruzados, resmungando, Vardé cuidando dos bichos, Vardé vendo novela, acariciando meus cabelos, reclamando quando eu chegava com os cabelos cortados.

Mais ou menos 13 anos sem ir  à  terra,  fui a Ubaíra este ano me despedir da casa de meus avós. (Que eu pensava ser imortal e está virando pó.) Calor, hora do almoço,  carro de Leila cheio de coisas de minha vó, não pestanejei: quero ir na casa de Valdelice. Chamei tanto na porta: Vardéééééé, mas  a casa fechada estava, fechada continuou. Valdelice foi pra roça, disse a vizinha.
Deixei um bilhete na caixa do correio. Não sei se recebeu. Voltei com os braços ocos do abraço que não dei nem recebi.

Abraço perdido. Valdelice morreu. 
Mulher que me ensinou a me entregar ao mistério. A gente se engana pensando que morre de uma vez. A gente morre aos pouquinhos, pedacinho por pedacinho arrancado cada vez que vai alguém da nossa história. Ô, Vardé, e eu nem te mostrei que na cadeia do mistério, Bia está uma moça e com os cabelos mais bonitos que os meus.

O mistério me espreita - impassível.
(Eu na solidão do que não conheço.)

De repente, eu lembro:
Valdelice colocando o dedo
dentro da galinha
para saber se tinha ovo.

Quando o mistério vem
eu não me furto
Me entrego
e ele me inunda.

M.




Nenhum comentário:

A Chuva de Maria

A Chuva de Maria

Muadiê Maria

Muadiê Maria