30 janeiro, 2012























Foto: Haroldo Abrantes


Foi cordeiro em 2008 para virar antropólogo no ano seguinte

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos da Bahia (Arfoc-BA) promovem nesta terça-feira (31), às 10h, a palestra do antropólogo e repórter-fotográfico Haroldo Abrantes sobre os cordeiros da Bahia. Será no Auditório Samuel Celestino, no oitavo andar do Edifício Ranulpho Oliveira, localizado numa esquina da Praça da Sé. O evento é aberto ao público e oferece, de modo especial aos jornalistas, oportunidade de debater, às vésperas do grande evento, o que será o Carnaval 2012 de Salvador.

Haroldo Abrantes apresentou em 2009 a dissertação 'Cordeiros da Bahia: festa e trabalho nas cordas do Carnaval de Salvador. Ensaio de Antropologia visual e urbana'' e foi aprovado pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Para decifrar o tema que escolhera para sua pesquisa acadêmica, Abrantes, com a aquiescência de seu orientador, professor doutor Edwin Reesink, atuou como cordeiro do bloco “Nu Outro” no Carnaval de 2008.

TEXTO BEM ESCRITO

A dissertação de Haroldo Abrantes tem o mérito adicional de ser bem escrita. Assim o leitor percorre suas páginas sem dificuldades e conhece a saga dos homens e mulheres que, por força das dificuldades de obter emprego, viabilizaram uma atividade novíssima no mercado de trabalho que é a de cordeiro de bloco de Carnaval. O antropólogo Haroldo Abrantes define que “o trabalho do cordeiro é construir uma fronteira arbitrária que se movimenta, deslocando todo o território do bloco com tudo que estiver dentro dele. O cordeiro aluga seu corpo para proteger o corpo dos outros”.

Abrantes, no seu trabalho, contrapõe duas situações do Carnaval dos últimos anos quando informa que “os camarotes fixos são construídos com materiais convencionais, madeira, ferro, tijolo, prego e cimento, por operários da construção civil, e os camarotes andantes, os blocos do moderno Carnaval de Salvador, são construídos pelos cordeiros com corda e seu próprio corpo”.
A situação dos cordeiros, conforme a dissertação de Abrantes, já foi pior. A categoria foi à luta e criou, em 2003, a Associação dos Trabalhadores Cordeiros e Similares das Entidades Carnavalescas e Culturais do Estado da Bahia (Assindcorda). A associação foi transformada em sindicato em 2006. Apesar do avanço e por causa do exército de desempregados, no período que antecede o Carnaval “os cordeiros estão prontos para o abate, gordos de fome”.

O autor de 'Cordeiros da Bahia' ensina que “há toda uma pirâmide hierárquica na corda, como se os cordeiros formassem um pelotão militar que precisa de patentes superiores para comandar”. Segundo Haroldo Abrantes, “nesse exército os cordeiros são os recrutas, imediatamente acima vêm os cabos de corda, depois os coordenadores ou líderes, os diretores de corda e por fim os diretores do bloco”. Explica, ademais, que “paralelamente existem as patrulhas de seguranças, que ficam circulando pelo meio do bloco”.

O AUTOR E A FOTOGRAFIA

O antropólogo e repórter-fotográfico Haroldo Abrantes da Silva nasceu em Manaus (AM)e vive na Bahia há muitos anos. Filho de servidor público federal, morou também no Rio Grande do Sul. Na Bahia, Haroldo estudou no Colégio Antônio Vieira. Mais adiante ingressou na imprensa como repórter-fotográfico e nos dias de hoje atua na equipe de fotógrafos do núcleo central da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado da Bahia.

O trabalho acadêmico de Haroldo Abrantes, além do texto, contém cerca de duas centenas de fotografias que respaldam as informações escritas. Por isso o subtítulo 'Ensaio de Antropologia visual e urbano'. Acrescente-se que a bibliografia utilizada e listada pelo autor agrega valor ao trabalho e, de modo correto, informa a existência de trabalhos anteriores sobre o cordeiro de Carnaval, a exemplo de 'O Carnaval dos Cordeiros. Trabalho e violência entre auxiliares de segurança de Salvador', dissertação de mestrado que Juliana Maia defendeu em 2008 no Instituto de Saúde Coletiva da Ufba.

Haroldo Abrantes, ao final do trabalho, informa que “depois dessa experiência, concluí que a mercadoria que os cordeiros vendem é o seu próprio corpo, usado para proteger o corpo de foliões do bloco, utilizado na construção de um muro [...], que segrega duplamente os cordeiros. Os cordeiros são conquistadores de territórios, construtores de camarotes andantes para aqueles que compram a senha de acesso, o abadá do bloco”. Antes do ponto final, o autor esclarece: “Esse foi o relato de um cordeiro, trabalhador do Carnaval, sujeito e objeto, finalizado em 12 de outubro de 2009, às 23 horas e 14 minutos”.



Autor do release: Luis Guilherme Pontes Tavares
MTBA-660

3 comentários:

Jorge Miranda disse...

Fiquei salivando..desejo de ler o material, observar as imagens..me motiva a mergulhar neste universo. Parabéns Abrantes !!! Quando crescer, quero ser igual a vc. Afroabraços !!!

Anônimo disse...

Menina, me desculpe a burrice e a lentidão do raciocínio. Só agora atinei para o que você postou lá no Facebook! Eu li cordeiro e fiquei pensando o que seria cordeiro, acredita nisso? E, pior, não tinha me dado conta de que é o teu Haroldo amanhã a palestrar! Imperdoável! E a julgar pelo trecho da conclusão, imperdível.
Bom evento, pra variar, vou perder mais essa.

Rita Santana disse...

Adorei a matéria! li lá no face e fiquei impressionada com a força e a resistência desse rapaz, estudioso, cientista! Impressionada com essa invasão da academia por pessoas que se voltam para a sua própria história e a história (não difundida) da nossa gente. Discursos que reverberam na nossa consciência, alma. Um beijo, Martha!

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