06 dezembro, 2008


Caso Pluvioso

A chuva me irritava. Até que um dia
Descobri é que Maria é que chovia.
A chuva era Maria. E cada pingo
De Maria ensopava o meu domingo.
E meus ossos molhando, me deixava
Como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura...
Maria, chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
Pensamento, desejo, sono e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
Matinal, noturna, ativa... Nossa!
Não me chovas Maria, mais que o justo
Chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma
Não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia – em vão – pois que Maria
Quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
O deixava banhado em triste vinho,
Que não aquece, pois a água de chuva
Mosto e de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira Maria, chuvadonha,
Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Pára! E ela, chovendo,
Poças d’água gelada ia tecendo.
Choveu tanto Maria em minha casa
Que a correnteza forte criou asa
E um rio se formou, ou mar, não sei,
Sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam,
As fontes de Maria mais chuvavam,
De sorte que com pouco, e sem recurso,
As coisas se lançavam no seu curso,
E era o mundo molhado e sovertido
Sob aquele sinistro e atro chuvido
Os seres mais estranhos se juntando
Na mesma aquosa pasta iam clamando
Contra essa chuva, estúpida e mortal
Catarata (jamais houve outra igual)
Anti-pretendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliravam,
E Maria, torneira desatada,
Mais dilata em sua chuvarada
Os navios soçobram Continentes
Já submergem com todos os viventes,
E Maria chovendo. Eis que a essa altura,
Delida e fluida a humana enfibratura,
E a Terra não sofrendo tal chuvência,
Comoveu-se a Divina Providência,
E Deus, piedoso e enérgico, bradou –
Não chove mais Maria! – e ela parou.

Carlos Drummond de Andrade



10 comentários:

aeronauta disse...

Poema lindo é esse aí.
Resolvi tirar do ar o meu arremedo de poema. Desculpe pelo seu comentário ter sido apagado como conseqüência disso. Bjos.

Janaina Amado disse...

Este poema é lindo mesmo. Fazia tempo que eu não o lia!
PS - Martha, o link que fiz do seu blog não mostra nem atualiza seu último post, como os outros links fazem. Vc. tem idéia do por quê?
Ass: Anarfanet funcional

Clara Mazini disse...

Maravilhoso. Me transbordei de alegria, só para ler melhor.

Salve Jorge disse...

Chovia
Maria
Todo dia
Chovendo
E só vendo
Que turva
Sob as águas da chuva
Um viver
De doer
Mas cujo remendo
Não vem remoendo
Só caudalosamente seguindo
O seco...

Anônimo disse...

Como eu gosto de Drummond. Mas a chuva sempre me fez feliz, beijos...

Fernanda Leturiondo disse...

Drummond, tão lindo!

Giselly Lima disse...

Poema que dá vontade de decorar pra ficar lembrando ele na fila do banco ou caminhando na praia (por motivos diferentes). Vou colocar na minha lista de desejos de 2009: decorar um poema de Drummond.
Bjs.
Giselly

Fernanda Leturiondo disse...

é mesmo Martha, conversa. bonito, né? eu não conhecia.

aeronauta disse...

Marta, o durex começou a dar um resultadozinho.

. fina flor . disse...

chove por aqui..........

beijos, querida e boa semana,

MM.

A Chuva de Maria

A Chuva de Maria

Muadiê Maria

Muadiê Maria